"E essa história de ter sido o padre da igreja que tapou os olhos das imagens, conheci-o muito bem, seria incapaz de fazer tal coisa. Nunca se pode saber de antemão de que são capazes as pessoas, é preciso esperar, dar tempo ao tempo, o tempo é que manda, o tempo é o parceiro que está a jogar do baralho, a nós compete-nos inventar os encartes com a vida, a nossa."
"Por que foi que cegámos. Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão. Queres que te diga o que penso. Diz. Penso que não cegámos, penso que estamos cegos. Cegos que veêm. Cegos que, vendo, não veêm
A mulher do médico levantou-se e foi à janela. Olhou para baixo, para a rua coberta de lixo, para as pessoas que gritavam e cantavam. Depois levantou a cabeça para o céu e viu-o todo branco. Chegou a minha vez, pensou. O medo súbito fê-la baixar os olhos. A cidade ainda ali estava."
"Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara."
Ensaio Sobre a Cegueira (1995) é um livro que há anos ansiava por ler. E ou por ele ser realmente bom demais ou as bibliotecas não o possuirem, nunca o consegui ler. Quando ia à biblioteca lá ia à prateleira "José Saramago" se é que assim lhe posso chamar. E nunca tinha este belo livro, pois agora que o terminei de ler, posso o dizer belo, extraordinário, qualquer coisa assim do outro mundo, mesmo.
Sem dúvida alguma está no TOP 5 dos melhores livros que li até hoje.
E depois aquelas simples frases que ele escreve e que apenas tem lá tudo, coisas que pensamos mas não as sabemos dizer em palavras. Reflexões que são isso mesmo, reflexões. Muitas vezes vemos o mundo, mas não o reflectimos, não o analisamos.
É um livro que recomendo vivamente, posso dizer que é fácil e não é fácil de ler (lol), isto é, a primeira metade do livro é fácil; já a segunda é mais complicada no sentido em que ele descreve mesmo o quanto, em situações extremíssimas, que era o caso, a dignidade humana pode passar para segundo plano.
E dá-nos a perceber o quanto o ser humano, por vezes,é capaz de perder o respeito pelo próximo. O quanto egoístas podemos ser, quando em causa está o nosso belo prazer, e aqui também me refiro ao literal prazer.
Agora o passo que se segue é ver o filme Blindness dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles e espero ter a mesma reacção que Saramago teve no final da ante-estreia mundial do filme. A ver vamos.
